Pelo sim ou pelo não

 

Passei boa parte daquele dia bloqueando qualquer contato com meus pais. Não saí do quarto - o que era normal -, não comi direito - o que também era normal -, não atendi os telefonemas insistentes do Chaz - meu novo namorado, ou um compromisso mais perto disso - e não saí do sério por pouca coisa - o que não era normal. Com o fone no ouvido e as músicas de sempre, planejei o que fazer. Como mudar aquela situação de angústia. A reflexão até àquele momento tinha estado a meu favor: 17 anos, final do ano, colegial completo, um emprego em uma ótima empresa multinacional, meu dinheiro e, assim, minha liberdade construindo, aos poucos, uma serena vida. Não havia motivos para ainda continuar naquela casa. Eu sabia que colocar isso em questão para meus pais faria com que surgisse uma desnecessária discussão, vários conselhos e os desfechos de minhas escolhas. Desfechos ruins, lógico. Para os pais, nada que os filhos escolham fazer estará certo. A não ser estudar, se tornar um requisitado médico, salvar vidas e ganhar dinheiro. Fora isso, você não será feliz. Mas ninguém tinha como provar isso. Só saberia quando abrisse as portas com as malas e partisse rumo ao... aonde eu ainda não sabia bem, mas com a coragem tomada, isso seria mero detalhe.

Nos últimos dias eu estava fazendo tudo conforme minha rotina exigia – era quase uma intimidação mesmo, já que eu não tinha mais liberdade para fazer absolutamente nada, a não ser respeitar os horários e os compromissos. Acordava cedo para fazer as coisas sem pressa; tomava banho com calma para despertar a noite sempre mal dormida – pelo menos esses dias inquietos mais recentes -; comia alguma coisa sempre com pressa e saía para meu trabalho.

Eu era secretária de um dos donos de uma famosa empresa. Conseguir esse emprego foi mais fácil do que eu imaginara. Quando se é mulher, ou melhor, quando se sabe ser mulher e se sabe usar as vantagens que isso te permite, as coisas vêm fácil. E se você consegue continuar sendo mulher e a usar as vantagens que isso te permite, as coisas se estacionam mais fácil ainda. Eu não tinha faculdade, mas fui tentar a entrevista de emprego. Falei diretamente com o Senhor Felipe. Sem experiência alguma, eu já comecei a trabalhar no dia seguinte, encarando os olhares tortos de outros. Não me importei nem um pouco. Do lado feminino os olhares eram de inveja e do masculino eram de tentação, então...! E lá estava eu, ganhando bem apesar da pouca idade e trabalhando cinco horas por dia atendendo telefonemas para dizer apenas: “Aguarde um momento enquanto eu transfiro a linha para o setor presidencial. Obrigada”

Aquele domingo estava mais monótomo do que qualquer outro. Peguei o controle remoto da televisão e zarpei pelos canais com pressa, sem desejo algum de realmente saber o que estava passando na TV.

– Lorena, deixe no noticiário, por favor! - meu pai pediu ao notar que eu havia me levantado com lerdeza e iria desligar a TV para ir, de uma vez por todas, dormir.

– Claro. - Concordei voltando alguns canais.

– Você já está indo dormir? - perguntou-me meu pai com uma voz cansada.

– Acho que sim. Por quê?

– Está cedo, não? - senti que estava desconfiado.

– Regras! - eu disse deixando escapar um sorriso torto - As pessoas deveriam dormir quando sentissem sono, e não só a noite. Isso não deveria ser estranho e não deveria ser motivo para suas perguntas.

 

Tentei abrir um sorriso maior quando percebi que talvez tivesse deixado meu estresse alcançar a dúvida de meu pai.

 

– Eu só acho que você tem estado quieta demais. Conversei com a sua mãe e... - meu pai não levava o menor jeito para reuniões de família - talvez devêssemos conversar nós três e saber o que se passa com você, minha filha! - ele realmente parecia preocupado, agora.

– Eu estou bem. - Garanti - Mas... - aproveitei a oportunidade e sentei de novo no sofá para começar a por meus planos na mesa - Acho que irei morar sozinha.

– Sozinha?

– Sim. - respondi desviando os olhos para o chão.

 

Nesse momento a porta abriu e, com umas cinco sacolas na mão, minha mãe suplicou ajuda com um sorriso no rosto do estilo "Seu pai recebeu e fui fazer compras!"

 

– Ah, Lorena! Que bom que está em casa, minha filha! Comprei umas coisas para você...

– Acho que ela quer te dizer uma coisa, Sônia - interrompeu meu pai com um ar de reprovação voltado para mim.

 

Eu o olhei com um sorriso de gratidão irônico. Minha mãe teria um ataque e meus ouvidos sofreriam. Ou não.

 

– Diga, minha filha! - agora o sorriso do rosto de minha mãe tinha ido embora. Eu teria que encarar aquela situação.

– Eu estava comentando com o meu pai e... - aquele par de olhos ainda me fuzilavam procurando um motivo para a irritação de meu pai - er... talvez eu precise de espaço... talvez um outro lugar. Ir... morar sozinha, talvez! - terminei de falar fixando o olhar para o chão.

– Agora vê se pode, Sônia! - meu pai gritou, me fazendo levantar a cabeça instantaneamente num susto. - Não sabe nada da vida, nada do mundo, está iludida! - subestimou-me meu pai.

– Morar sozinha? Mas o que há de errado aqui? - minha mãe estava mais preocupada do que irritada, pelo menos isso...

– Eu! Eu estou errada aqui. Cansei dessa minha vida, sei lá! Acho que devo ir embora antes de enlouquecer.

– Você é apenas uma adolescente mimada! - gritou meu pai.

– Jorge, você não está ajudando. Não vê que nossa filha está com problemas?

– Problemas? - perguntei surpresa.

– Quer ir à um psicólogo, Lorena? Talvez você devesse desabafar algumas coisas e...

– Mãe, eu não estou louca - interrompi - Eu só não quero mais ficar aqui.

– E posso saber para aonde a Senhorita Liberdade está querendo ir? - perguntou meu pai com ar de deboche.

 

Me calei. Para essa pergunta eu ainda não tinha resposta.

 

– Foi o que eu pensei. - ele falou, por fim.

 

Eu tinha mesmo que encarar aquela dolorosa repressão como preocupação?

 

– Ainda não é nada certo. - deixei escapar - Eu vou procurar aonde ficar, nos próximos dias.

– Minha filha, as coisas não são assim. A gente trabalhou tanto para te dar o melhor... - lamentou minha mãe.

– Mãe, não estou indo porque odeio vocês, entenda! Agora eu cobiço um espaço maior.

– Quer ficar com um quarto maior? - ofereceu ela.

 

Uma risada incontrolável saiu de minha boca.

 

– Mãe, não é disso que estou falando. Quero viver, construir minha vida. Sou grata por tudo que fizeram por mim, mas agora eu preciso fazer as minhas escolhas.

 

Meu pai se levantou da cadeira de onde estava e, bufando, foi em direção ao quarto.

 

– Eu não vou ficar aqui para ouvir essa palhaçada. Para mim essa discussão já está encerrada.

 

Olhamos juntas, minha mãe e eu, enquanto ele sumia pelo corredor.

 

– Filha, pense bem! Não vou te proibir, mas... farei de tudo. - ela sorriu.

– Mãe, não queria magoar vocês.

– Eu vou conversar com seu pai, Lorena. Só veja o que é melhor para você.

– Não quero que vocês briguem. Por favor.

– Não se preocupe!

 

Com um beijo em minha testa, ela se despediu seguindo o mesmo caminho de meu pai.

 

Encarar o sol que entrava pela fresta da janela foi difícil, mas abri meus olhos com cuidado e os levei até o relógio. Eu havia dormido por dez horas e parecia estar mais cansada do que se tivesse dormido apenas por duas horas. Sentei na beira da cama suspendendo meus braços e os esticando para fortalecer os músculos. Houve um pequeno estalo em minhas costas. Respirei fundo enchendo meus pulmões de vida e estímulo para me levantar e encarar a água gelada do chuveiro. 
Antes de chegar à porta do banheiro, ouvi o celular tocar e corri para atendê-lo. Chaz tentava falar comigo incansavelmente. Resolvi atender.

– Alô? - falei sem o menor entusiasmo.
– Lorena, eu te liguei ontem o dia todo e...
– Eu sei. - o interrompi.
– Você não retorna, não dá um sinal de vida!
– Eu estava ocupada. - menti.
– Ocupada? Com o quê?
– Olha, Chaz... eu acabei de acordar, tenho que tomar banho antes que eu fique atrasada. Vou trabalhar e na hora do almoço a gente se encontra, combinado?
– Tudo bem, meu amor, mas aconteceu alguma coisa?

Chaz era carinhoso demais comigo. Eu não o merecia, pois nem o amava. Não éramos namorados, mas ele considerava assim, sem se importar com a minha negação. Seu melhor amigo, Ryan, era meu melhor amigo também. Estudávamos juntos no Ensino Médio e agora Ryan dividia um apartamento com o Justin, um menino cujo eu nunca consegui suportar. Nunca havíamos trocado nenhuma palavra, mas só a presença dele me tirava do sério. Seu jeito prepotente de ser me irritava de uma forma anormal. Eles dividiam o apartamento porque ficava mais próximo de onde, ano que vem, eles começariam a cursar a faculdade. 

– Por favor, Chaz! A gente conversa mais tarde. Mas que coisa! - desliguei o telefone, irritada. 

Tratar Chaz mal me deixava mal. Era como encontrar um cachorro abandonado na rua e se abaixar para brincar com ele, e logo em seguida ele vir atrás de você, esperançoso. Mas sua intenção desde o começo não era o levar para casa. Fato! Então você bate, bate, bate e bate o pé no chão como se tentasse dizer “me deixe em paz” e ele acha que estamos o atiçando para brincar. Com Chaz era assim. Quando eu queria cortar as pontas desse laço frouxo que chamávamos de compromisso, ele dizia com a maior calma do mundo “Você precisa de um tempo a sós, precisa pensar. Amanhã a gente se vê”. Para quê tanta compreensão? Apenas me chame de “mais uma” e vá embora, meu Deus! Essa era minha intenção desde o começo: ser mais uma. Mas Chaz me tratava como um anjo, um tesouro, uma pedra preciosa em suas mãos. Por isso, mesmo que eu quisesse, era difícil dizer “Vá embora!” sem ter certeza de que eu não me arrependeria depois. Egoísmo? Sim. Mas ele mais do que ninguém sabia disso e se prestava estar ao meu lado incondicionalmente.
O espelho do banheiro refletiu aquela menina que eu nunca conheci bem. Nunca entendi os atos. Uma menina tão imprevisível que, sem dúvidas, eu diria que ela era uma incógnita até para ela mesma. O exterior nunca mudara. Seu corpo magro ainda parecia o mesmo de quando tinha apenas quatorze anos. Agora, com seios um pouco maiores e olhos mais expressivos e maduros.
A água caía na minha pele com uma baixa temperatura e um arrepio caminhou desde a nuca até minhas pernas. No silêncio do box eu pude pensar mais no que fazer. Eu teria que procurar hoje um lugar para onde ir e teria que me preparar psicologicamente para não responder as alfinetadas matinais que, com certeza, meu pai daria. 
Meu pai sempre foi um ótimo pai. Pagou todos os cursos que eu decidira fazer até então, mesmo que eu não continuasse com o mesmo entusiasmo até o final deles. Me matriculava sempre em boas escolas e apostava numa carreira brilhante para mim. Talvez fosse por isso que ele estivesse tão amargurado. Deu de tudo a sua filhinha querida para ela simplesmente virar as costas e dizer que queria ter as coisas a seu próprio custo. Realmente, eu o entendia bem. Mas aquilo não passava apenas de tristeza. Eu não iria me arrepender por magoá-lo. Uma hora ele saberia que FIZ tudo pensando no meu bem. Até quando eu ficaria me sustentando nas abas/asas paternais? Uma hora eu iria ter que me virar/voar sozinha.
Já arrumada para meu trabalho, fui para sala para comer às pressas e sair para pegar o ônibus. Meu pai logo abaixou o jornal de seu rosto quando escutou meus passos se aproximando. Minha mãe desviou os olhos da TV.

– Bom dia, minha filha! Está melhor? - perguntou ela já deixando seus olhos brilharem de tristeza.
– Eu estava mal ontem? - questionei levantando a sobrancelha esquerda.
– Estava com idéias idiotas. - pigarreou meu pai.
– Jorge, não comece! - implorou minha mãe - Como você está, minha filha? - continuou a pergunta já levantando e colocando suas mãos com cuidado em meu rosto - parece tão abatida. Veja, Jorge! Está pálida.
– Eu estou bem, mãe. Preciso ir. Vou acabar me atrasando.
– Não vai comer nada? - gemeu minha mãe.
– Sem fome. - tentei convencê-la. 

Na verdade não queria mostrar para meu pai o efeito do medo que ele estava conseguindo colocar em mim. 
O silêncio reinou e o olhar de minha mãe me acompanhou até a porta enquanto meu pai levantava o jornal para seu rosto mostrando indiferença. Por que simplesmente meu pai não podia me apoiar? Ele estava tornando tudo muito difícil. E agora, de uma forma bruta, o medo estava se aproximando, mas mesmo assim eu não conseguia resistir à minha vontade de ir embora de vez. Talvez eu estivesse cometendo um erro, mas só saberia disso se tentasse. Talvez eu fosse sofrer, quebrar a cara, mas não saberia se não tentasse. Pelo sim ou pelo não, a dúvida me motivava à ir em frente e mergulhar no desconhecido. Ou aquela água mataria minha sede ou eu me afogaria nela.

Tópico: Pelo sim ou pelo não

sua fic

kidrewuhll | 11/07/2013

que perfeito kraa <33 amei

*

ana | 21/05/2013

acabei de ler o capítulo e já estou amando :) estou vendo que vou me viciar na sua fic

elogiar.

Jaque | 09/04/2013

estou começando agora e estou amando.

:)

Ana Paula | 25/03/2013

amei :) top de mais

tud

voseh | 12/02/2013

nous, iss e ozad

*

Sabrina Fragoso | 16/01/2013

omg, quem escreveu essa história, tem um futuro ótimo de escritora. Nossa, to no início ainda, mas to amando a história !

Destino Oculto

@JbieberPaulinha | 15/01/2013

começando agr.. acompanhando td desde o inicio!! PARABENS!! TUDO É PERFEITO vcs conseguiram me prender a uma historia!! DAKI NAO SAIOOOO DAKI NGM ME TIRA kkkkk

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@bieberpolenta | 23/09/2012

hey babie (:

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